CADÊ?

junho 30, 2008

Não estou lá

Marcus Carl Franklin, Christian Bale, Ben Whishaw, Heath Ledger, Cate Blanchett e Richard Gere interpretam Bob Dylan em Não Estou Lá (I’m not there), de Todd Haynes. Ou melhor, são alter ego de Bob Dylan. Portanto, quem pretenda assistir Não Estou Lá, e dele extrair a biografia convencional de Bob Dylan, esqueça!!! Não se estará, por exemplo, diante de uma filme como Cazuza, o Tempo não pára, de Sandra Werneck e Walter Carvalho.
Não Estou Lá parte de lendas que rodeiam Bob Dylan, para contar, em visão crítica, os fatos que marcaram a sua vida. Não é sem razão a escalação de seis atores para representarem o músico. Bob Dylan, afinal, viveu vários personagens.
Marcus Carl Franklin, em sua estréia em longa-metragem, interpreta personagem que se chama Woody Guthrie. É, com 11 anos, um prodígio na guitarrista, e remete para o princípio da carreira de Bob Dylan, quando tinha como ídolo Woody Guthrie, compositor folk. No estojo da guitarra lê a inscrição "Máquina de matar facistas". É uma referência explícita ao Woody Guthrie. Por essa época, Bob Dylan deixou de assinar Robert Allen Zimmerman, seu nome verdadeiro, experimentando nomes até chegar ao atual. Em 1959, por exemplo, ele assinou-se Elston Gunn em apresentações com o cantor Bobby Vee. É o personagem de Marcurs Carl Franklin quem pontua essas mudanças. Não é à toa que Woody Guthrie é aconselhado a "viver seu próprio tempo, cantar sobre sua época".
Christian Bale (Império do Sol, O Operário, O Grande Truque, entre outros), como Jack Rollins, representa o Bob Dylan nos anos em que se tornou defensor dos direitos civis e foi rotulado como cantor de músicas de protesto. Bob Dylan, nesse período, faz apresentações com Joan Baez, evocada em Alice, interpretada por Julianne Moore, a atriz preferida de Todd Haynes. Christian Bale, ainda, dá vida ao Pastor John, quando Bob Dylan volta-se à religião, repercutindo, inclusive, em sua obra, ao lançar álbuns de música gospel. Com um deles - Gotta Serve Somebody - ganhou o Grammy de Melhor Vocal Masculino.
Durante o filme são intercaladas cenas de Arthur Rimbaud, personagem vivido por Ben Whishaw (O Mercador de Veneza, Stoned: A História Secreta dos Rolling Stones, Perfume: A História de um Assassino, etc.), em uma audiência. Arthur Rimbaud foi mesmo uma das principais inspirações poéticas de Bob Dylan. Todas as imagens de Arthur Rimbaud são em close-up. Assim, parece mesmo que Arthur Rimbaud destina as respostas às inquirições que lhe são feitas como uma forma de reflexão sobre a poética de Bob Dylan, defendendo, na essência que não se deve criar, porque, decerto, a obra não será compreendida, distanciando-se do que o artista imagina a interpretação que os demais dela fazem. É como se Todd Haynes falasse também de seu filme.
Heath Ledger (O Patriota, Coração de Cavaleiro, Brokeback Mountain, etc.) interpreta o ator Robbie Clarke. Robbie Clarke faz o papel Jack Rollins em uma filmagem da biografia do músico de protesto. É uma referência clara às incursões do Bob Dylan no cinema. Vê-se referências a Renaldo and Clara, dirigido por Bob Dylan. É do personagem de Heath Ledger o Bob Dylan doméstico, buscando uma família, o seu dia-a-dia distante de shows.
Cate Blanchett (O Talentoso Ripley, O Senhor dos Anéis: a Sociedade do Anel, Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, entre outros) interpreta Jude Quinn. Remete a personagem ao rompimento de Bob Dylan com a música folk. Fica claro tal rompimento com a encenação da participação de Bob Dylan, com o uso de guitarra elétrica, no Newport Folk Festival, e a platéia apupando a banda. Muito inteligente a alusão à elaboração de Tarântula por Jude Quinn: enquanto a personagem encena a feitura do único livro de Bob Dylan passeia pela tela uma lycosa narbonensis. É desta época a excursão de Bob Dylan pela Inglaterra e o seu encontro com The Beatles, que, no filme, é lembrado com uma seqüência que remete a A Hard Day’s Night.
Richard Gere (Cotton Club, Lancelot - O Primeiro Cavaleiro, Justiça Vermelha, entre tantos) interpreta Billy. É manifesta a referência ao filme Pat Garrett & Billy the Kid, do genial Sam Peckinpah, em que Bob Dylan dá vida a Alias, integrante do bando de Billy. Há remissão, ainda, ao filme Hearts of Fire, em que Bob Dylan também atua como um roqueiro aposentado. Richard Gere, como Billy, representa o exílio de Bob Dylan ao campo, distanciado da mídia.
Não Estou Lá ganhou o Prêmio Robert Altman, concedido pelo Independent Spirit Awards e o Prêmio Especial do Júri, no Festival de Veneza. Cate Blanchette ganhou o Volpi Cup de Melhor Atriz, no mesmo Festival.
Eu recomendo Não Estou Lá.

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